Contra a gamification
Por que sou contra a gamification.
1/16: Correndo o risco de brigar com alguns colegas, quero dizer um sonoro NÃO à "gamificação": a arte de fazer atividades ficarem com mais cara de jogo. (A definição na imagem, bem mais precisa, é de um texto de Juho Hamari, DOI 10.1002/9781405165518.wbeos1321).
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2/16: Isso não tem nada a ver com querer preservar uma suposta pureza do jogo. É justamente o contrário: quero preservar a pureza da vida. A vida é muito mais do que jogo.
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3/16: Qualquer jogo é um microcosmo de aspectos da vida, de umas poucas coisas com as quais representamos alguma situação interessante. Isso fica muito evidente nos jogos de simulações, mas todo jogo tem um pouco disso.
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4/16: Para ficar em um exemplo: a vida é cooperação, é conflito, é competição, é ajuda, é altruísmo, é egoísmo... mas é raro que um jogo tenha tudo isso.
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5/16: Então, gamificar a vida é reduzir a vida. É menosprezar e ignorar tanta coisa que ela tem, em favor das poucas que alguém elege privilegiar na sua abordagem gamificada.
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6/16: A gamificação representa o triunfo do imediato. Representa o que há de pior nesta versão do mundo moderno em que se quer satisfação imediata, "instant gratification": quero o resultado agora -- já! --, e ele tem que ser positivo.
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7/16: A gamificação é descendente direta do conceito de jogos sérios, "serious games": jogos usados para explorar e estudar situações refratárias a outros modos de pesquisa -- como as guerras.
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8/16: Ela também descende dos "jogos educativos", ou "jogos pedagógicos": afinal, se as crianças gostam de brincar e jogar, e não gostam de estudar, vamos transformar o estudo em jogo e elas vão gostar de estudar!
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9/16: Isso não tem nada de novo. Jogos educativos existem, pelo menos, desde o século XVII. Nunca houve uma revolução no processo de ensino e aprendizado graças aos jogos. Crianças e adultos continuam gostande de jogar, e muitas vezes não gostando de estudar.
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10/16: Nenhuma surpresa nisso. Faz décadas que Huizinga e Caillois já advertiram que uma característica essencial do jogo é ser voluntário. A melhor crítica que eu vi à ideia dos jogos educativos chamava estes jogos de "brócolis com cobertura de chocolate".
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11/16: O problema é que, desde que existem jogos, existem os que os condenam como perda de tempo. Para cada Alfonso X, que via nos jogos a mão de Deus, querendo que os homens fossem felizes, há um Aristóteles e um Agostinho, que condenavam a futilidade dos jogos.
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12/16: Ah, mas agora o jogo é sério, todo sério. Afinal, há anos que o faturamento anual mundial dos jogos ultrapassou o do cinema. As pessoas se dedicam aos jogos, se empenham neles -- gastam neles!
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13/16: Então, vamos incentivar isso. Mais ainda: se tornarmos o trabalho mais próximo do jogo, as pessoas vão dedicar e empenhar no trabalho a mesma energia que empregam nos jogos! A sociedade da exaustão ganha pelos dois lados.
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14/16: Na economia 2.0, o trabalhador é "autônomo", e vende o seu tempo. Então, ele tem que ser incentivado a oferecer mais do seu tempo, e receber menos pelo que oferece. O lazer pessoal se torna trabalho, e também commodity.
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15/16: É sintomático que as discussões sobre gamificação raramente recorrem ao conceito de "lúdico". Lúdico é perda de tempo, e nós queremos produtividade -- queremos bolsas e grants -- queremos provar que o jogo é sério, e deve ser levado a sério.
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16/16: E, com isso, o jogo fica destruído, ao mesmo tempo que a vida fica reduzida a um denominador comum mínimo -- minúsculo.
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