2017-09-25

Na crônica de José Mário Pereira sobre Carlos Drummond de Andrade, podemos ler as descrições de breves momentos cotidianos e mundanos do poeta e cronista. Mas, a meus olhos, não é isto o mais importante. Quando descreve a relação de Drummond com suas crônicas semanais, José Mário mostra duas facetas importantes do trabalho de um escritor, e que se contrapõem a duas ilusões muito comuns.

A primeira faceta: por mais que Drummond as considerasse obras menores , quase descartáveis, ele levava a sério a sua produção, com atenção a detalhes. Elas eram trabalhadas, e não fruto apenas de um fulgor de inspiração.

A segunda: o gênero crônica tem servido ao ensino de Português vivo nos colégios. Isso resulta em livro, e em algum lucro pecuniário para o cronista, que não é acionista da Petrobrás e precisa viver

Quanto às ilusões correspondentes…

Há os que acreditam que qualquer obra criativa decorre apenas da inspiração, e que esta é suficiente. Isso muitas vezes aparece sob variações da frase Ah, você tem um dom! Já vi artistas enfurecidos com esta frase, pois sentem que ela ignora e menospreza todo o trabalho que tiveram para ali chegar. Thomas Edison disse que o gênio alcança seus resultados graças a um por cento de inspiração e noventa e nove por cento de transpiração.

Há os que acreditam que a criatividade, a ARTE é uma coisa sublime, transcendental, muito além da comezinha atividade de pagar as contas. Isso resulta em pessoas que acham que dar um espaço para você divulgar a sua produção é tão valioso quanto pagar o artista.

Claramente, Drummond não compartilhava destas duas ilusões. A parte realmente triste acontece quando as duas se unem na figura, lamentavelmente tão comum, do artista incompreendido , que vive enfurecido por que seu gênio inato não é percebido pelos outros, e que ao mesmo tempo acha que o mundo lhe deve sustento. Corrijo-me: o mundo lhe DEVE.

Mecenas nunca foram abundantes, e sinto que hoje são ainda mais escassos. Por outro lado, o número de artistas incompreendidos só faz aumentar. Não é de surpreender que muitos se aferrem à academia, um porto seguro para suas ilusões.

http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/jose-mario-pereira-encontros-com-drummond/

O Quartelmestre
O Quartelmestre
polímata
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pesquisador
escritor

LUIZ CLÁUDIO, o Quartelmestre, the Rules Lawyer, conversa e escreve sobre jogadores e jogos de todos os tipos, sobre ludologia, narrativas, poesia, e mais.

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