2016-11-30
Conheci há pouco a página Humanos da UFPE. Estou me divertindo vendo a verve e a criatividade da autora, e posso entendê-la perfeitamente quando reclama que os colegas de exatas interpretam muito melhor os seus textos do que os colegas de humanas, supostamente especialistas nisso.
Um exemplo claro. A imagem abaixo mostra uma foto do restaurante universitário (da UFPE, suponho), e foi compartilhada pela autora da Humanos UFPE com clara intenção humorística. Uma das leitoras da página critica o compartilhamento, dizendo que fazer piada com quem não sabe a gramática normativa é preconceito linguístico .
Há aqui um claro problema de interpretação de texto. Com efeito, a leitora crítica não percebe que a piada não é com o (desconhecido) autor do erro, mas com o erro em si! Se o autor do erro não é identificado, como se pode enxergar uma piada com ele?
Como toda ferramenta, a análise do discurso pode ser útil. Mas, também como toda ferramenta, ela de nada serve se o resultado é predeterminado. De que me adianta medir uma distância com uma régua, se eu sei antecipadamente que a distância é de 8,5cm? De que me adianta usar a análise do discurso para avaliar a existência de preconceito em um texto, se eu sei antecipadamente que o texto é preconceituoso?
Para deixar as coisas bem claras, vou empregar esta ferramenta na análise da minha própria crítica, acima (e paro por aqui, para não criar uma recursão infinita…).
Eu noto que a leitora crítica não afirma que a foto compartilhada, ou o comentário da autora da Humanos da UFPE, constitui preconceito linguístico. A sua afirmação, ignorando o contexto no qual está inserida, pode ou não ser considerada como verdadeira, uma vez que exprime um conceito geral. De forma equivalente, ela poderia ter escrito algo como lavar o rosto faz bem à pele , ou a interpretação de um texto raramente se esgota em uma dimensão .
Mas, justamente, em minha interpretação da crítica, eu não desconsidero o contexto. O fato de a leitora ter colocado sua frase geral neste ponto, neste momento, permite a minha interpretação de que ela está a afirmar que compartilhar aquela foto é, por si, fazer piada com quem não sabe a gramática normativa — a fortiori, que a autora da página Humanos da UFPE está demonstrando preconceito linguístico.
Vou agora facilitar as coisas para meus leitores. Todo este meu texto é uma extensa declaração de um de meus preconceitos. Trata-se de um preconceito visceral contra a estupidez.