Estatísticas e pobreza
(Peço um pouco de paciência com os fatos apresentados no início do texto. A discussão está mais adiante.)
No dia 27 de maio, o jornalista Augusto Nunes publicou um artigo no qual alinha alguns números, disponíveis no site do Ministério de Desenvolvimento Social e Agrário, que desmentem as alegações que os governos do PT erradicaram a pobreza e a miséria. Conforme os dados de janeiro de 2015, são cerca de 39 milhões de pessoas que ganham até R$77,00 por mês ( extrema pobreza , no jargão oficial), e cerca de 15 milhões as pessoas que ganham mais do R$77,00 e até R$154,00 ( pobreza ). Estas pessoas, somando mais de cinquenta milhões, são as beneficiárias diretas do Bolsa Família.
O IBGE estima que a população do Brasil ultrapasse 205 milhões de pessoas. Assim, pouco mais de 20% da população encontra-se em situação de pobreza (~7%) ou extrema pobreza (~15%), segundo os dados oficiais.
Ontem, Augusto Nunes recebeu o economista Ricardo Paes de Barros no programa Roda Viva, da TV Cultura. Ricardo Paes de Barros foi um dos principais responsáveis pela implementação técnica do Bolsa Família, durante o governo de Dilma Rousseff, e recentemente foi consultado para ajudar a criar as propostas de políticas sociais do PMDB.
A primeira pergunta do programa, formulada por Augusto Nunes, lembrou uma declaração recente do entrevistado, segundo a qual apenas 3% da população encontram-se em situação de extrema pobreza (note-se que, durante a entrevista, Ricardo Paes de Barros usou 3% ou 4% — ou seja, algo entre 6 e 8 milhões de pessoas).
Quando Augusto Nunes confrontou sua declaração com os números oficiais, a resposta de Ricardo Paes de Barros foi atribuir isso a duas causas:
. os números do Cadastro Único fundamentam-se em autodeclaração, e ele disse que o interesse leva pessoas a exagerarem sua pobreza;
. os números refletem a situação anterior ao recebimento do Bolsa Família por estas pessoas.
O economista tem se manifestado de forma semelhante em outras situações, como em uma entrevista ao Estado de São Paulo. em 25 de abril.
Sem qualquer vênia, o que Ricardo Paes de Barros afirma é que o governo distribui dinheiro para mais de 30 milhões de pessoas que ele acredita estarem mentindo para receber o benefício, ao contrário de 8 milhões de pessoas honestas (não imagino qual porcentagem da faixa de pobreza ele considere mentirosa).
Para mais: é óbvio que estes números são a situação antes do recebimento do Bolsa Família, uma vez que são justamente o fundamento para que estas pessoas recebam o benefício. Mas disso não se segue a conclusão — implícita em sua fala — que, recebido o Bolsa Família, estas pessoas deixam de estar na extrema pobreza. Afinal, se deixassem a faixa, no mês seguinte, no ano seguinte que fosse, já não precisariam do benefício!
Ricardo Paes de Barros é estatístico e economista. Este malabarismo de números lembra a frase, popularizada por Mark Twain, sobre mentiras e estatísticas.
É fácil jogar lama. Mas é no mínimo desonesto jogar lama no próprio trabalho, e ao mesmo tempo insultar milhões de pessoas.
O artigo de Augusto Nunes pode ser encontrado em http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/direto-ao-ponto/os-pobres-e-miseraveis-que-sumiram-do-brasil-maravilha-ja-sao-quase-75-milhoes-no-brasil-real/.
Os dados do Cadastro Único para Programas Sociais estão disponíveis em http://mds.gov.br/assuntos/cadastro-unico/dados/consultas-publicas.
A entrevista de Ricardo Paes de Barros no Roda Viva pode ser encontrada em https://www.youtube.com/watch?v=Z6BDGh4BGic.
A estimativa de população brasileira pode ser encontrada em http://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/.
A entrevista de Ricardo Paes de Barros ao Estado de São Paulo está em http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,o-bolsa-familia-esta-inchado,10000027828.