2016-03-25

Não vai ter golpe tem sido uma das expressões ( palavras de ordem ) mais usadas pelos defensores dos nossos governantes. O pressuposto por trás do uso desta expressão — implícito ou explícito — é que qualquer ação contrária aos governantes seria um golpe . Como palavra de ordem , a expressão é mais usada de forma genérica; mas, em diversas ocasiões, houve pessoas referindo-se expressamente a ações concretas como sendo golpes . As ações assim condenadas são, geralmente, as decisões do juiz Sérgio Moro e os atos que dizem respeito ao processo de impeachment da presidenta Dilma.

Coloco desde já — para os que seguem este entendimento — a pergunta: o que é um golpe , no sentido usado nas situações que referi acima? Gostaria de uma definição — não necessariamente sucinta, ou mesmo completa, mas uma definição! E isso quer dizer que exemplos poderão ilustrar a definição, mas não substituí-la. Além disso, peço ainda, depois de definir golpe , que sejam esclarecidas as características objetivas (não subjetivas) que distinguem a crise de 1992 da crise atual.

Minha pergunta se fundamenta em uma posição que adoto há anos. É sempre útil saber, em uma discussão, se estamos falando da mesma coisa. Para tanto, exponho a seguir o meu entendimento sobre o que seja um golpe . Uso como referência principalmente o verbete Coup d’État da Wikipedia em francês ( https://fr.wikipedia.org/wiki/Coup_d'%C3%89tat ). Escolhi esta referência de propósito; não faço ideia se o verbete correspondente em português está sendo campo de batalha desta discussão, e não quero que algum desavisado distorça a discussão reclamando de imperialismo se eu usar o verbete em inglês. Posso discutir outra referência, claro, mas parto desta para indicar a minha posição.

Conforme o verbete indicado, um golpe de Estado é a tomada do poder por uma pessoa, de forma ilegal e frequentemente brutal. O verbete indica ainda características usuais em golpes de Estado, como o uso das armas e o controle dos meios de comunicação.

A expressão golpe de Estado remonta ao século XIX, e tem como sinônimos putsch (alemão) e pronunciamiento (espanhol). A expressão em francês ( coup d’État ) passou para o inglês quase inalterada ( coup d’état ), e em inglês é frequentemente abreviada como coup , assim como o nosso uso golpe .

Lembro-me de assistir aulas e ler livros nos quais se afirmava que a tomada do poder pelos militares, em 1964, teria sido um golpe e não uma revolução , que era o termo oficial para a ação, durante os governos militares. Observo que, neste debate, o uso do termo golpe coincide precisamente com o significado colocado na Wikipedia: com efeito, a tomada do poder pelos militares foi um golpe — um golpe de Estado — pois sublevaram-se contra o poder legal.

Ainda conforme este entendimento, o último golpe de Estado acontecido no Brasil ocorreu em 1985, com a Emenda Constitucional nº 26, que convocou uma Assembleia Nacional Constituinte. Esta é uma questão de direito constitucional pacífica: o poder constituinte derivado não pode acionar o poder constituinte originário.

Conforme a definição que expus, não houve, desde então, um golpe de Estado no Brasil. O ex-presidente Collor foi réu em um processo regular de impeachment. Existem pessoas que defendem, hoje, uma intervenção militar constitucional , que é um absurdo jurídico; mas todas as ações políticas e judiciais que estão em andamento são legais, e portanto não se enquadram no conceito de golpe de Estado que adoto.

Em particular, noto que o processo de impeachment do ex-presidente Fernando Lugo, do Paraguai, em 2012, não foi um golpe de Estado, uma vez que foi conduzido conforme a Constituição paraguaia. Incidentalmente, a OEA não encontrou indícios de ilegalidade nos procedimentos paraguaios, como se pode verificar nos documentos do ano de 2012 ( http://www.oas.org/consejo/pr/documentos%20INF2012.asp ).

Reitero a questão. O que é um golpe , para os que têm repetido a expressão Não vai ter golpe ?

O Quartelmestre
O Quartelmestre
polímata
filomático
pesquisador
escritor

LUIZ CLÁUDIO, o Quartelmestre, the Rules Lawyer, conversa e escreve sobre jogadores e jogos de todos os tipos, sobre ludologia, narrativas, poesia, e mais.

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