2016-03-21
No âmbito do Direito Penal, é extremamente comum que o criminoso e seus cúmplices utilizem um discurso afinado e enganador, manso e pacífico. Felizmente, no direito brasileiro não existe um peso predeterminado para as provas. O juiz deve avaliar todas as provas produzidas, e formar a sua convicção a partir da análise do conjunto de todas as evidências.
Vejamos um exempo prático. No dia 15 de março, o Planalto anunciou que o ex-presidente Lula seria o novo ministro-chefe da Casa Civil. Os áulicos apressaram-se em declarar que a nomeação não era obstrução da Justiça, mas sim uma resposta ao pedido da presidenta Dilma, e que Lula assim poderia assumir o papel de articulador político do governo combalido.
Por hipótese, admita-se que o papel de articulador político era, de fato, o fim pretendido — e note-se que este fim não exclui o de subtrair-se à ação do juiz Moro.
Fica a pergunta: para realizar articulação política, qual a capacidade ou poder que Lula adquire ao tornar-se ministro, de que já não dispunha como ex-presidente? Várias vezes, em seus dois mandatos, a presidenta Dilma socorrera-se de seu antecessor para esta articulação; uma das mais recentes foi em 2015 ( http://noblat.oglobo.globo.com/geral/noticia/2015/09/lula-tera-papel-ativo-no-varejo-da-articulacao-politica-do-governo.html ). Não vejo qualquer aumento de seu poder de articulação por tornar-se ministro.
Qualquer que seja o seu poder de articulação, no entanto, e quaisquer que sejam suas intenções neste sentido, Lula nada evidenciou nestes últimos dias. Os efeitos administrativos de sua posse estão suspensos por determinação judicial, é verdade. Mas estranho que, mesmo em sua cerimônia de posse, antes de ter seus efeitos suspensos, e diante de uma plateia unanimemente simpática — pois a voz discordante foi sumariamente expulsa — o ministro não fez sequer um discurso de posse, para anunciar a orientação que daria a suas atividades.
Articulação política passa por comunicação, tanto com os políticos quanto com o povo que elegeu os seus representantes. Lula há muito não fala à imprensa, salvo a blogueiros amestrados, a portas fechadas. Quando fala em público, como fez em São Paulo, na última sexta-feira, não consegue fugir ao discurso de confronto que usa desde seus tempos de metalúrgico.
A articulação política que Lula estaria conduzindo mostra-se tão real quanto os seus apelos ao diálogo com quem dele discorda.