Sobre o feedback e seus usos

Leio hoje nas páginas do G1 notícia sobre um aplicativo para smartphones que permite aos cidadãos enviarem reclamações para a prefeitura de Curitiba:

Prefeituras começam a usar app para receber reclamação de cidadãos. Curitiba já recebe pedidos; até o fim de abril, Teresina e Cuiabá também. Em uma semana, 130 demandas foram enviadas e 9 já foram resolvidas.

Muito louvável a iniciativa da administração da cidade. De fato, é bom poder contar com mais um canal de manifestação da população, frequentemente tão mal servida pelo poder público (de qualquer esfera).

Mas não é isso que me motiva a escrever. Há um dado preocupante já na manchete da notícia: “130 demandas enviadas, 9 atendidas”. Só 9?

Admita-se que nem toda demanda possa ser atendida pela prefeitura — certamente há demandas que devem ser atendidas por órgãos do estado paranaense, ou mesmo pela União. Admita-se também que algumas demandas simplesmente não possam ser atendidas, e que ainda outras não possam ser atendidas em uma semana.

O número continua baixo. Menos de 10% das demandas dos cidadãos — e isso porque se trata de um serviço inovador, usando tecnologia moderna, e que portanto interessa à máquina de propaganda da administração.

Isso é muito triste. Mas não surpreende. Porque estamos na Era da Informação e a informação está cada vez mais abundante — mas ninguém sabe o que fazer com ela. Vejamos alguns exemplos:

  • Em janeiro, recebi resposta do Correio a uma reclamação que eu formulara em dezembro. Eu estava esperando uma encomenda, passei o dia em minha casa, e depois vi pelo serviço de rastreamento que o carteiro informou "destinatário ausente". A resposta do Correio:

Senhor Luiz Cláudio, bom dia. Em atenção à sua manifestação, informamos que consta, em nosso sistema de rastreamento, que o objeto CJ228327445US foi retirado em 30/12/2013 no Centro de Entrega de Encomendas - CEE CURITIBA NORTE - CURITIBA / PR. Apresentamos nossas desculpas pelos transtornos causados e nos colocamos sempre à disposição.

  • Outros problemas já ocorreram com o Correio, todos visíveis pelo rastreamento de pacotes: encomendas que simplesmente surgem no sistema (LN826934421US) sem qualquer entrada anterior, encomendas que não transitam pelo Brasil e se teleportam para Curitiba (LJ909250447US), encomendas que simplesmente saem para a entrega — e mais de uma vez (LC978866101US)... Houve mesmo uma encomenda (desta não guardei o número) que, segundo o rastreamento, foi entregue na véspera de ser postada em Belo Horizonte. De forma geral, a resposta que eu recebo quando ligo para o Correio e reclamo destes problemas é sempre a mesma: "o senhor já recebeu a encomenda, então está resolvido."
  • Adelaide é usuária cadastrada no serviço 156 da prefeitura de Curitiba e frequentemente fazia uso dele para registrar alguma reclamação. Mas ela tem percebido que normalmente isso é inócuo. Quando reclamou de um motorista de ônibus cometendo uma infração de trânsito, recebeu dias depois a resposta "ele disse que não fez nada errado". Quando reclamou que havia meninos perturbando motoristas em horário escolar e pediu que o serviço tutelar investigasse, foi informada que a prefeitura não podia fazer nada, a não ser que ela tivesse continuado no local. Lembro que houve outras, mas não os detalhes.

Ora, o que deve fazer um prestador de serviços sério — seja uma empresa ou a administração pública — quando recebe uma reclamação destas? Primeiro, solucionar o problema imediato. Às vezes isso não é possível — o motorista já tinha cometido a infração, por exemplo, e não havia como voltar atrás.

Mas este é só o primeiro passo. Os próximos passos, estes sim cruciais para um serviço de qualidade, envolvem determinar como e porque o problema aconteceu, e tomar medidas que reduzam a possibilidade de ele voltar a acontecer. Ou seja, usar os problemas do presente como guia para evitar os problemas do futuro. Esta é a função de um serviço de controle de qualidade — será que em algum órgão publico isso existe?

O fato é que os prestadores de serviços recebem muitas reclamações (às vezes elogios), mas não estão sabendo o que fazer com esta abundância de informações. E isso faz com que o que podia ser, de fato, informação (e portando significativa), volte a ser um mero amontoado de dados.

No caso particular dos serviços públicos, isto acaba alimentando a máquina retórica dos governos, que devolvem ao usuário-cidadão outro mero amontoado de dados, sem nada significativo — como mostra o exemplo publicado no G1.

Lamentável. Perfeitamente aplicáveis as palavras de Macbeth: " **It is a tale told by an idiot, full of sound and fury, signifying nothing. **"

O Quartelmestre
O Quartelmestre
polímata
filomático
pesquisador
escritor

LUIZ CLÁUDIO, o Quartelmestre, the Rules Lawyer, conversa e escreve sobre jogadores e jogos de todos os tipos, sobre ludologia, narrativas, poesia, e mais.

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